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sábado, 9 de outubro de 2010

Ética e Responsabilidade Social


Quando eu estava no penúltimo ano da faculdade.  Nossa turma teve de realizar um Teatro Organizacional, que na verdade tratava-se de uma atividade multidisciplinar envolvendo duas disciplinas do período.  A turma toda foi dividida em quatro equipes.  Cada uma teria um tema e teria de organizar e efetivar a apresentação de uma peça de teatro organizacional a serem apresentadas no auditório da faculdade.  Minha equipe ficou com o tema “Ética e Responsabilidade Social”.  Como eu era o único com experiência em artes cênicas por já ter tido bandas de rock e por dominar bem a escrita, fui designado, quase que naturalmente pra escrever a peça e dirigir a turma (nossa equipe foi a única que teve o trabalho de Direção).  Desempenhei minhas funções sem nenhum problema.  Porém, quando estávamos na etapa de ensaios, fui procurado pelas demais turmas.  Ninguém tinha noção nenhuma de como fazer uma peça teatral.  Queriam que eu escrevesse todas as peças das outras três equipes.  Nenhum professor sabe e somente os alunos de nossa turma souberam, mas todas as quatro peças apresentadas foram escritas por mim.  Apesar de ser ilegal e feito por “debaixo dos panos” o serviço foi profissional e ganhei um bom trocado escrevendo as peças e dando uma certa assessoria no tocante a Direção.
A única exigência que fiz de minha turma foi a de que eu queria exercer o papel do vilão da história.  Trato feito e mãos a obra.  Ensaiamos duro, dirigi os demais colegas e todas as quatro peças foram apresentadas no dia 30 de outubro de 2003, mais precisamente as 20:30.  Fiquei um pouco chateado porque nesse mesmo dia ocorrera a primeira apresentação da banda “Autoramas” em Manaus com abertura da banda “Several” e eu não podia faltar aula nesse dia pra ir assistir ao show.  Uma das colegas de turma chegou a tirar fotos dos bastidores da peça, mas não tomei o cuidado de pegar cópias das fotos.
Convidei alguns membros do Clube dos Quadrinheiros pra assistirem a peça.  Compareceram Roni, Adelino Lobato, Déborah Carla, Marco Antonio (Supremo) e Antonio.  Quando estes chegaram, eu ainda fumava maconha, eu, Adelino e Roni tratamos logo de nos preparar psicologicamente (eles como expectadores e eu como ator) para a apresentação no estacionamento da faculdade.
Nosso grupo constava os alunos: Adanor Pereira como o anestesista Flávio Feitosa, Maria Ivete como a enfermeira Penélope, Sigrid Pontes como a enferma Claudinha, Izabel Cristine como Ana (irmã da enferma), Gilberto Martins como o policial e eu como o Dr. Pantoja.
A apresentação em si foi um sucesso.  Conseguimos nota máxima, mas o mais satisfatório era escutar as gargalhadas da platéia do auditório lotado que gostaram muito da performance hilária dos “atores”.
Abaixo segue o roteiro da peça teatral.



Nome da Peça: Ética e Responsabilidade Social
Duração (Média): 30 minutos em 1 ato.
Estilo: Comédia
Cenário: Quarto de hospital.



A enferma Claudinha encontra-se no leito completamente enfaixada, enquanto o anestesista Flávio, analisa os dados da paciente em uma prancheta.
Claudinha: - Aaaaaaiiiiiiiihhh! - (gemido de dor)
Flávio: - Calma dona Claudinha.  A senhora sofreu um baita dum acidente, mas vai ficar boazinha daqui a alguns meses.  Mas vai ter de tomar os medicamentos direitinho.
Claudinha: outro gemido de dor.
Entra o Dr. Pantoja no ambiente já perguntando ao anestesista: - Bom dia, seu Flávio.  Esta é a nova vítima?  Digo, a nova paciente?
Flávio: - Bom dia Dr.  É ela mesma a paciente.
Dr.: - E como se encontra o quadro dela?
Flávio: - Dr., o único quadro que tem aqui é esse da parede, mas não é dela não.
Dr.: - Eu quis dizer o estado da paciente, seu energúmeno.
Flávio: - Ah, ta!  A dona Claudinha ta toda esculhambada, mas vai ficar boa sim senhor.
O doutor toma a prancheta da mão do anestesista dizendo: - Passe isto pra cá.  Seu incompetente!  Vá cuidar de outro paciente, vá.  Deixe que eu avalio o estado desta desgraçada.
Flávio antes de se retirar fala: - Iiiihh!  Ta emburrado, é?  Pois fique sabendo que se eu passar no concurso público pra Diretor desse hospital, os funcionários terão de ser todos bem tratados.  Viu?  Eu já fiz a prova.  Só estou esperando sair o resultado.  E se eu passar já terei know how pro cargo, pois eu me formo em Administração no período que vem.  Estou estudando lá na Faculdade Martha Falcão. – complementa perguntando pro público: - É ou não é, pessoal?
Depois que o anestesista se retira, o doutor fala olhando para a prancheta: - Concurso público?  Se esse idiota fosse esperto já teria comprado o diploma como eu fiz. – continua a olhar a prancheta até que seu celular toca.  Ele atende: - Alô?  Dr. Pantoja falando.  Ah!  Sim!  Um de meus clientes favoritos.  Em que posso ser útil agora?  Como?  Está precisando de um par de rins?  Sim.  Eu os tenho! – olhando para a paciente. – Posso lhe fazer pelo preço de mercado. – pausa – Um coração?  Só um momentinho. – vira-se para a paciente e pergunta-lhe. – Você fuma, minha filha? – Claudinha dá outro gemido de dor.  – Sim, eu consigo um coração jovem. – pausa – Posso lhe fechar o pacote dos rins e do coração pela modesta quantia de sessenta mil dólares. – pausa – Tudo bem!  Assim que tiver os órgãos no gelo eu entro em contato.  Tchau! – e desliga o celular dizendo em seguida para a paciente: - Agora, minha filha.  Você terá de entrar numa série de injeções.  A propósito.  Se você me adiantar o número e a senha do seu seguro de saúde eu posso lhe garantir que sua família receberá tudo direitinho.
Entram no ambiente a enfermeira Penélope e Ana (a irmã da paciente).  Penélope diz: - Aqui está a sua irmã, dona Ana.
Ana fala: - Claudinha, minha maninha!  Como é que você está?
Claudinha dá um gemido de dor.
Dr. Pantoja: - A senhorita é irmã da vítima?  Digo, da paciente?
Ana: - Sim, senhor.  Como é que ela está doutor?
Dr.: - Em estado terminal!
Ana grita: - O quê?
Claudinha geme de dor.
Ana: - O senhor está dizendo que minha irmã vai morrer?
Dr.: - Infelizmente ela sofreu fraturas múltiplas, perda de tecido cerebral e oito hemorragias internas.  Ninguém sobrevive a isso.
Ana se debruça sobre a irmã na cama e começa a chorar escandalosamente: - Buuuaaa!  Não morre, não Claudinha.
Dr.: - Mas há algo de bom a ser feito por sua irmã.
Ana: - O que doutor?  Eu faço tudo que for preciso fazer pela minha irmã.
Dr.: - O corpo dela pode ser doado para a ciência.
Ana continua a chorar escandalosamente.
Dr.: - Seus órgãos principais poderão salvar outras vidas.
Ana continua seu choro.
Penélope passa a mão pela cabeça de Ana e tentando consolá-la fala: - Não se preocupe, não dona Ana.  O doutor Pantoja cuida dos corpos de todos os óbitos de nosso hospital.
Dr.: - Sempre a serviço de minha conta corren... Digo, da ciência.
Penélope abraça Ana e acompanha-a para a saída dizendo: - Calma, dona Ana.  Nós lhe manteremos informada sobre cada mudança que ocorrerá com a dona Claudinha.
O doutor apanha uma seringa e fala para a enferma: - Agora, minha filha.  É hora de dizer-me o número e a senha de seu seguro de vida.  Aliás, fale-me também sobre seu testamento.  O que tens para doar para a ciência?  Vamos, fale!  Antes que eu decida ficar só com o lucro de seus órgãos.  – neste momento, entra em cena o anestesista com um papel na mão, acompanhado de um policial.
Flávio: - Nós queremos te prender.  Eu tenho aqui um relatório que a companhia telefônica me passou de todas as suas falcatruas.  Já até mandamos a polícia ir atrás do resto da quadrilha.
Dr.: - Impossível!  Vocês não podem provar nada contra mim.  Eu sou um profissional de respeito.
Flávio: - Profissional, nada!  A companhia telefônica tem tudinho gravado.  E o Conselho Regional de Medicina disse que seu registro é falso.  Pode prender essa canalha, seu guarda.  Porque ele não tem um pingo de ética.
Dr.: - Ética?  Quem é essa vagabunda?
Flávio: - Tá vendo!  Ele não sabe nem o que é ética.  Ética é o ramo da filosofia que tem por objeto a moral.  É o conjunto de princípios pelos quais o indivíduo deve pautar seu proceder no desempenho de sua profissão.  É a série de normas que devem levar à aquisição de hábitos e à formação do caráter dos indivíduos para que possam cumprir seus deveres e viver honradamente. – enquanto fala, Flávio anda e aponta o dedo em direção do doutor que se afasta do anestesista caminhando de costas até esbarrar no policial que lhe prende os braços.
Policial: - O senhor está preso!
Neste momento, entram em cena Ana e a enfermeira Penélope que traz um jornal na mão.
Penélope apontando para o doutor: - Já estamos sabendo das pilantragens desse cafajeste.  Assim que a companhia telefônica divulgou o fato eu tratei logo de avisar a dona Ana.
Ana dirigindo-se à irmã: - Claudinha, querida!  Ainda bem que você não vai mais morrer.
Penélope eufórica para o enfermeiro: - Ah!  Flavinho.  Saiu o resultado do concurso pro cargo de Diretor do hospital.  Olha só pra quem foi a vaga.  Flávio Feitosa da Silva.  É você não é, querido?
Flávio dando um pulo de alegria: - Hiiiiiisaaaa!  Eu sabia que eu ia passar.  Fiquei um monte de noite em claro estudando pra isso.
Dr.: - Você não tem competência pra isso.
Flávio retira de um de seus bolsos um documento dobrado e fala: - Pois fique sabendo que eu já fiz até um plano de gestão.  Assim que eu assumir o cargo, o hospital vai atender a população 24 horas por dia; vai distribuir panfletos informativos, preservativos e remédios pra amostra grátis.  Ainda vamos também, instalar uma sala pedagógica para lecionar noções de higiene e preservação de doenças e ainda vamos criar uma unidade móvel para atender os bairros mais necessitados da periferia da cidade.  Isso, doutor.  É responsabilidade social!
O policial retira o doutor de cena que sai gritando: - Vocês vão ver!  Eu vou me vingar.  Isso não vai ficar assim, não!  Vocês vão ver...
Penélope fala toda meiga para o anestesista: - Agora que tudo terminou bem, Flavinho.  Agente já pode pensar em casamento.  Não é?
Flávio dá um pulo se afastando e diz: -  Iiiiihh!  Agora tá difícil, querida.  Porque de agora em diante agente vai ter que trabalhar muito pra comprometer nosso hospital com a ética e com a responsabilidade social.
As palavras “responsabilidade social” são ditas em coro por todos que falam com os punhos pra cima.

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